Há 3 anos
É terça-feira. Estou em casa. Só fui ao trabalho de manhã tratar de alguns assuntos urgentes e pedir à Dra. Luísa o favor de me dispensar o resto do dia. Fui de carro, de manhã bem cedo. Assim com a cara, não poderia ir de comboio. Antes de vir para casa passei por um café, onde costumo ir algumas vezes, apenas para tomar um galão (não consegui dispensar a dose diária de cafeína). A empregada olhou para mim com estranheza e perguntou o que me tinha acontecido. Só consegui menear um não com a cabeça. Não me saiu nenhuma palavra. Pergunto-me se lá voltarei algum dia, tal a vergonha que senti.
Olho para o espelho e vejo umas pálpebras inchadas… a cor entre o roxo, o vermelho escuro e o negro. A parte inferior do olho direito também não tem melhor aspecto. Tenho um risco negro no cimo da cana do nariz, exactamente entre os olhos. Também tenho o lábio cortado, por dentro, e inchado e negro por fora. A minha mãe neste momento não está em casa. Saiu. Tem-me ajudado imenso. Deixou-me o gelo preparado e o thrombocid à mão. Até é ela que me tem espalhado a pomada pelo rosto. E sobretudo tem-me poupado à típica frase 'Eu bem que te avisei!', o que eu agradeço. Apenas me tem dito ‘nunca mais telefones a esse cão, filha, já viste o que ele te fez…?'…
Ontem aconteceu o pior. Se eu achava que, nestes últimos tempos, já tinha passado por tudo, ontem ficou provado que não. Um dia que fica para a história. Para a minha história… Estupidamente, sempre tive a secreta esperança de que quem falava verdade era ele e não o seu irmão ou mesmo a uma prima minha. Uma parte de mim queria acreditar que ele poderia estar a falar verdade. Que frases (ditas entre risos e em tom de gozo) como ‘ela o ano passado também andou a dizer a toda a gente que estava grávida e depois a barriga da Paula começou a crescer e a dela não (risos)’ ou ‘ela sempre teve aquela barriga de 2 meses’ (pois… como se alguém com 2 meses de gravidez tivesse barriga!…) poderiam ser verdadeiras… Afinal, há um ano atrás, tinha recebido sms da outra a informar-me que estava grávida o que, mais tarde, se veio a revelar mentira. Assim como seria mentira que ela ou a filha estavam doentes, não se sabendo se passavam deste deste ano, etc., etc… Enfim…, nada disto iliba o facto de ter sido 100% burra; nada iliba o facto de não ter acreditado 100% em quem sempre mostrou alguma consideração por mim; nada iliba o facto de não ter acreditado 100% na minha própria família. 0,5% de mim, traiu-me. E eu agarrei-me de tal forma a esta tão escassa percentagem, como o naufrago se agarra ao tronco, à bóia…
Então…… Saí às 18h do trabalho. Apanhei o autocarro e o Metro. Esperei um pouco. Tinha combinado com ele encontrarmo-nos à porta do trabalho. Disse que me dava boleia para a outra margem. Vi-o dirigir-se para o carro e fazer-me um sinal com a cabeça para me aproximar. Dirigi-me para a porta do pendura estranhando um pouco o facto de ele estar demorado e hesitante em abrir as portas. Finalmente fê-lo e entrámos quase em simultâneo. Num gesto apressado ele mandou a pasta para o banco de trás, numa tentativa patética de esconder, tapar, com a pasta, a cadeirinha de bebé que lá se encontrava. Ou seria exactamente o contrário? Quereria ele chamar-me a atenção para o objecto? Não sei. Ficou tudo baralhado na minha cabeça naquela altura e só consegui balbuciar um ‘olha a cadeirinha do bebé…!’ Fiquei entre o permanecer calada ou o sair imediatamente daquele carro. Não fosse o seu automático ‘Não é meu. É da Sandra.’ e provavelmente as coisas teriam ficado por ali. Ou não. Não sei. Passei-me. Chamei-o todos os nomes. Empurrei-o contra a porta. Confrontei-o com todas as desculpas e mentiras que lhe iam saindo pela boca aldrabona fora. Mentiras atrás de mentiras. Desculpas atrás de desculpas. Que o filho não era dele. Que fora enganado. Mais uma vez, que tinha dúvidas que o filho era dele. Que nem sequer o tinha registado. Bla bla bla, bla bla bla. Mentiras. Mentiras. Mentiras. Só me lembro de agarrar na cadeirinha e pô-la à frente dele. E ele a continuar com mais mentiras, mais desculpas. Tentei agarrar-lhe o cabelo curto da nuca e abanar-lhe a cabeça. Não consegui agarrar nem um fio de cabelo mas ele, automaticamente, fechou o punho e só me lembro de levar 3 violentos murros na cara, à queima-roupa. Hoje, quando penso na violência com que me bateu, só me apetece chorar, e só penso que, uma pessoa, para fazer isto a outra, é porque nunca gostou dela. Nunca. Nunca. Fiquei ali uns segundos parada, sem reacção. A minha mãe perguntou-me se eu, naquele instante, não me virei a ele…? Não. Naquele instante fiquei-me simplesmente. Tenho a certeza que, se não tivesse levado a mão ao nariz e reparado que sangrava, ele também não mo diria, apesar de estar a ver o sangue a escorrer. Só me lembrei da minha mãe naquele instante. E só disse, já a chorar, ‘como é que vou aparecer à minha mãe assim?’ Ofereceu-se para me deixar no Hospital. Não quis. Pedi para me deixar à saída da ponte. Respondeu que me levava a casa. Não quis. Não parou a seguir à ponte. Pedi para me deixar no comboio. Acabou por parar ainda longe da estação. Só queria bater-lhe, bater-lhe, bater-lhe e, com isso na ideia, disse-lhe para sair do carro. Lembro-me de lhe dizer que eu poderia ficar ali estendida no chão, mas que ele ia ter o que merecia. O cobarde não saiu. Acabei por sair eu, passado uma eternidade. Lembro-me de ter caminhado pelo menos 100 metros antes de ele parar ao meu lado e abrir-me a porta para eu entrar, que me levava à estação. Apenas disse ‘Foste fazer chichi? Fizeste bem.’ e fechei a porta com um estrondo. Ele arrancou e eu segui, a pé, para a estação...
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