Antes de tudo, há que reconhecer que este poderia ser um belo nome para um daqueles livros que as pessoas oferecem umas às outras apenas só pelo título e que usualmente se encontram em qualquer bomba de gasolina, no corredor do fundo, lado esquerdo, junto aos jornais, se faz favor. Não interessa o autor, nem se alguma vez se leu alguma coisa, nem se os críticos do Mil Folhas falaram bem: o que importa mesmo é a mensagem que o título oferece a quem o recebe. E se, depois, lá dentro, nas páginas que se refugiam na capa, o conteúdo não for grande coisa, isso de nada importa. Entrega-se o livrinho, como se estivéssemos a entregar um papel com uma mensagem:
- "Vai onde te leva o coração!"
- "Fazes-me falta."
- "Não há coincidências."
E, claro, o inevitável: "Amo-te."

Houvesse um medicamento que, depois de tomado, nos fizesse esquecer a pessoa que amamos e as farmácias ficariam inundadas de gente à sua procura. Existisse uma operação que nos removesse a parte da memória que nos faz lembrar esse alguém e ficariam enormes as listas de espera para a cirurgia. Mas não existe. Não há! Não se vende, nem se opera.

Mas pode-se esquecer? Pode. Como assim? Ora, aplicando uma técnica vulgarmente usada pelos bombeiros para extinguir os incêndios: o lendário truque do "fogo contra fogo", que basicamente consiste em lançar outro fogo na direcção do que vem a arder. Assim, queima-se uma área que ainda não esteja ardida para que, quando o fogo lá chegar, nada mais tenha para arder. E é limpinho!

O que há a fazer, é queimar o que ainda houver de bom e fazer com que as coisas que estejam associadas à pessoa que queremos esquecer não nos pareçam tão agradáveis. E quando ela - leia-se o incêndio - aparecer, já só resta terra queimada.

Ora, aproveitando-se esta bonita analogia dos incêndios, é justo revelar que, aqui, o grande problema é o vento. O vento pode reacender as chamas. E esse vento pode ser uma chamada dela - que ninguém atenda o telefone! -, uma subita vontade de lhe ligarmos nós, às quatro da manhã, com uma voz notoriamente embriagada - apague-se já o número! Ouçam: o vento pode ser uma foto dela ainda no quarto - que se guarde isso numa gaveta escura -, uma carta aque imbecilmente relemos - perigo, perigo! -, aceitar um convite de jantar a dois sob o pretexto de irmos falar sobre o ambiente no mundo - isso é muito arriscado! -, ir a casa dela rever a primeira temporada dos "Sopranos" em DVD -, nem pensar. Fujam!

Assim, voltando à perniciosa técnica do fogo contra fogo, o mais importante é queimarmos tudo à volta sem usarmos um único fósforo. Dizermos:
- Isso é muito bonito e tal, mas eu tenho de sair daqui antes que se faça tarde!
E ao não permitirmos recaídas que sabemos só irão adiar o inevitável, extinguiremos o pouco que vai existindo até que tudo fique reduzido a cinzas, tão frias e inertes que nenhum vento será capaz de as reanimar.

Fernando Alvim

"Como esquecer alguém em 5 minutos ou mais um bocadinho"
in "Fernando Alvim - 50 Anos de Carreira"

Sem comentários: